Adaptando os costumes e valores trazidos da Itália, os imigrantes que chegaram ao Brasil há 140 anos criaram cultura própria, que os diferencia dos demais habitantes do país. Na serra gaúcha, onde fixou-se boa parte dos imigrantes ainda se fala em um idioma local, o Talian, derivado da língua vêneta. Reconhecido como patrimônio cultural, o dialeto segue até hoje na boca das pessoas que vivem na região.
Apesar do processo ter iniciado anos antes, 1875 é uma data simbólica do começo do programa de colonização no Brasil. Por isso, nesta quarta (20 de maio), é comemorado o 140 aniversário da imigração italiana e Dia da Etnia Italiana no Rio Grande do Sul.
O sociólogo Jurandir Zamberlam destaca que a chegada do navio Rivadavia, em 31 de maio de 1875, com 150 famílias também foi um marco. Em função de uma crise agrícola e do processo industrial iniciado após a unificação da Itália, ocorre um verdadeiro êxodo do país. Grande parte da população ficou sem trabalho e se viu obrigada a procurar outras oportunidades.
Entre 1861 e 1940, cerca de 20 milhões de italianos deixaram a terra natal, e o Brasil foi um grande receptor. O número é impressionante, considerando a população da Itália em 1901, que era de 30 milhões de habitantes, segundo a doutora em História do Brasil e mestre em Sociologia, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em História da Ufrgs, Rosemary Fritsch Brum.
Os fazendeiros do centro do país contrataram as famílias que foram para lá, com a ajuda do governo. Na região Sul, a política foi diferente. Os imigrantes recebiam terreno e auxílio para manutenção. Foram direcionados para regiões pós-imigração alemã.
“Eles chegaram 50 anos depois dos alemães que pegaram as terras melhores. Para os italianos sobrou a Serra, que era mais difícil. Tiveram que criar condições para desenvolver e conseguiram com muito trabalho e com a ajuda do estado brasileiro”, conta o professor de História no Programa de Pós Graduação em História, Antonio de Ruggiero.
Ele salienta que grande parte dos imigrantes veio do Norte da Itália naquele período e que alguns ficaram decepcionados. “Eram agricultores que nunca tinham viajado”, descreve. O grupo era produtor de vinho e incrementou o cultivo da uva no Estado, assim como a produção de milho e trigo.
Cultura que atrai turistas
O resgate da cultura italiana tem atraído turistas do Estado e do restante do Brasil, que procuram uma imersão rural. Um dos passeios mais divertidos é percorrer os parreirais de Bento Gonçalves em um tuc-tuc, carro antigamente utilizado para o transporte da uva. No comando, Nei Antonio Tomasi, 55 anos, vai contando sobre a rotina dos primeiros imigrantes. História essa que se confunde com a de sua família, que saiu da região do Trento bem no início da colonização da região.
“Para nós, é muito bom poder mostrar a tradição”, afirma. Ele passa os mesmos valores aprendidos com os pais, os avós e os bisavós para os dois filhos e o neto. Em casa, fala em dialeto e a comida continua a ser um fator agregador das famílias, que tradicionalmente se reúnem em volta da mesa repleta de polenta, massa, frango e vinho.
No inverno, entra para o cardápio a “sapeca do pinhão”. Em uma fogueira, o alimento é assado assim como os antigos faziam nos intervalos dos cuidados na roça. O “merendin” é outra tradição resgatada. O lanche que os imigrantes faziam nos parreirais, geralmente levados pelas mulheres, com pão, queijo, salame, polenta, torta tirolesa, geleias, vinho e suco de uva, agora é oferecido aos turistas.
30% dos gaúchos tem ascendência
Para os italianos, o Brasil é um pedaço da Itália. O cônsul-geral em Porto Alegre Nicola Occhipinti ressalta que os imigrantes “gaúchos” são um grande orgulho, pois eles ajudaram a construir o Rio Grande do Sul com a força do trabalho. “São os pioneiros que receberam a terra e fizeram uma grandeza”, observa. A estimativa é de que aproximadamente 30% dos gaúchos têm ascendência italiana.
Conforme ele, existem atualmente 71 mil brasileiros com cidadania italiana no Rio Grande do Sul. E a fila para os descendentes de imigrantes para obter o passaporte europeu não para de crescer. Cerca de 100 mil já encaminharam o processo e estão aguardando. A espera pode durar de dez a 12 anos pelo volume de demanda e pela escassez de servidores para dar andamento ao trabalho. “A situação é idêntica à de outros consulados”, observa.
Orgulho segue pelas gerações
O agricultor Waldemar Coser, 75 anos, nunca esteve na Itália. Quem nasceu lá foram os bisavós, que deixaram a região do Tirol e se aventuraram em um navio para tentar a vida no Brasil. Mesmo assim, ele se refere a pessoas que não têm origem italiana como “os brasileiros”. O morador de Bento Gonçalves considera que os imigrantes de sua etnia têm muitas especificidades. Nem melhores, nem piores, mas a “sistemática é diferente”. A principal delas é a força para o trabalho.
As gerações anteriores pouco contam sobre a chegada nas terras da Serra, que incluíam as futuras cidades de Farroupilha, Garibaldi e Caxias do Sul. Apenas relatavam as adversidades, pois tiveram que se virar na mata, sem nenhuma estrutura. “Algumas pessoas morreram quando vieram nos navios e tiveram que ser jogadas ao mar. Acho que por isso ninguém gostava de contar sobre o passado.”
Construíram igrejas, ergueram escolas e fizeram lavouras. Passados mais de cem anos, as novas gerações querem resgatar essas origens. A neta Franciele, de 9 anos, já pediu um vestido, réplica da época em que os antepassados chegaram ao Brasil, para usar nas festas. Com o amigo Avelinho Ficagna, 69 anos, Coser costuma jogar mora. Ambos se conhecem desde criança e ainda batem na mesa na disputa de contar os dedos, controlada por um juiz improvisado.
Foto: Samuel Maciel
Fonte:Karina Reif
Postado por:Elisete Bohrer
Fonte:Karina Reif
Postado por:Elisete Bohrer
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