quinta-feira, 5 de junho de 2014

Regulação da mídia não é censura

Desinformar é a estratégia de boa parte da mídia quando se trata de discutir seu próprio funcionamento. Ao falar de regulação, vigora discurso propositadamente parcial e distorcido

  Recentemente, a presidenta Dilma Rousseff, pré-candidata à reeleição pelo PT, declarou que, se eleita, enfrentará o debate acerca da regulação dos meios de comunicação. A afirmação causou furor na mídia comercial, que não perde oportunidades para alimentar a versão de que há um plano da esquerda para controlar a mídia e impedir críticas ao governo. O candidato da oposição, Aécio Neves (PSDB), também se apressou a reafirmar “o PT quer censurar a imprensa”.
Neste momento, quanto mais confuso for o debate sobre o tema, menos resultados ele produzirá. Assim, alguns veículos empenham-se em embaralhar as informações de forma sofisticada; outros omitem do público informações relevantes sobre o tema; outros, ainda, divulgam o dito pelo não dito. O esforço é um só: manter inalterada a atual situação de concentração econômica e de ausência de diversidade e pluralidade na mídia brasileira.
Tendo em vista esta ostensiva operação para interditar um debate direto e transparente sobre a regulação da mídia (ação corrente que, essa sim, caracteriza prática de censura), vamos aos fatos, numa tentativa de desfazer o labirinto construído em torno do assunto.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a radiodifusão é, assim como a energia, o transporte e a saúde, um serviço público que, para ser prestado com base no interesse público, requer regras para o seu funcionamento. No caso das emissoras de rádio e TV, a existência dessas regras se mostra fundamental em função do impacto social que têm as ações dos meios de comunicação de massa, espaço central para a veiculação de informações, difusão de culturas, formação de valores e da opinião pública.
Lembram os teóricos que a necessidade ou não de regulação de qualquer setor e a intensidade e o formato dessa regulação estão condicionadas justamente ao poder potencial que tal setor tem para mudar as preferências da sociedade e dos governantes. Assim, quanto maior o poder de um determinado setor e o desequilíbrio democrático provocado, maiores a necessidade e a intensidade de regulação por parte do Estado.
Portanto, à medida que, ao longo da história, crescem a presença e influência dos meios de comunicação de massa sobre a sociedade, aumenta a necessidade de o Estado regular este poder. Não para definir o que as emissoras podem ou não podem dizer, mas para garantir condições mínimas de operação do serviço de forma a manter o interesse público – e não o lucro das empresas – em primeiro lugar.
Vale lembrar também que, além de um serviço público, a comunicação eletrônica representa um setor econômico dos mais importantes do país. Assim como outros, precisa do estabelecimento de regras econômicas para o seu funcionamento, de modo a coibir a formação de oligopólios ou de um monopólio num setor estratégico para qualquer nação.
Por fim, o simples estabelecimento de uma regulação da radiodifusão não pode ser tachado de cerceamento da liberdade de imprensa ou então de censura porque é isso o que diz e pede a própria Constituição brasileira de 1988, ao estabelecer princípios que devem ser respeitados pelos canais de rádio e TV.
No entanto, mais de vinte e cinco anos após sua promulgação, nenhum artigo de seu capítulo V, que trata da Comunicação Social, foi regulamentado, deixando um vazio regulatório no setor e permitindo a consolidação de situações que contrariam os princípios ali estabelecidos.

Os efeitos da não regulamentação constitucional são evidentes:

O artigo 220, por exemplo, define que não pode haver monopólio ou oligopólio na comunicação social eletrônica. Hoje, no entanto, uma única emissora controla cerca de 70% do mercado de TV aberta.
O artigo 221 define que a produção regional e independente devem ser estimuladas. No entanto, 98% de toda produção de TV no país é feita no eixo Rio-São Paulo pelas próprias emissoras de radiodifusão, e não por produtoras independentes.
Já o artigo 223 define que o sistema de comunicação no país deve respeitar a complementaridade entre os setores de comunicação pública, privada e estatal. No entanto, a imensa maioria do espectro de radiodifusão é ocupada por canais privados com fins lucrativos. Ao mesmo tempo, as 5.000 rádios comunitárias autorizadas no país são proibidas de operar com potência superior a 25 watts, enquanto uma única rádio comercial privada chega a operar em potências superiores a 400.000 watts. Uma conta simples revela o evidente desequilíbrio entre os setores.
Por fim, o artigo 54 determina que deputados e senadores não podem ser donos de concessionárias de serviço público. No entanto, a família Sarney, os senadores Fernando Collor, Agripino Maia e Edson Lobão Filho, entre tantos outros parlamentares, controlam inúmeros canais em seus estados. Sem uma lei que regulamente tal artigo, ele – como os demais da Constituição – torna-se letra morta e o poder político segue promiscuamente ligado ao poder midiático.
Regular os meios de comunicação de massa neste sentido está longe, portanto, de estabelecer práticas de censura da mídia. Trata-se de uma exigência constitucional de definir regras concretas para o funcionamento destes veículos no sentido de atender aos objetivos definidos pela sociedade em sua carta maior.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens que talvez você não viu!!!

http://picasion.com/