Em viagem de férias pelo Nordeste, vi este cartaz em tudo
quanto é biboca de beira de estrada em Pernambuco e Alagoas. Me senti
profundamente indignada, não só porque é o milionésimo anúncio de cerveja que
usa a mulher como chamariz para vender álcool. Trata-se de uma propaganda
imoral pelas seguintes razões:
1. O trocadilho utilizado a título de “humor” vulgariza a
primeira vez sexual de alguém, ao associá-la ao consumo de álcool. Transar pela
primeira vez é um acontecimento inesquecível, único, e me parece triste e
repulsivo que seja utilizado para vender cerveja.
2. Se você não pensar em sexo, só em cerveja, o anúncio
continua a ser imoral por escancarar o apelo da indústria de bebidas para que o
jovem se inicie no álcool cada vez mais cedo. Só isso já seria o suficiente
para proibir o anúncio, mas infelizmente, em nosso país, a publicidade de
bebidas é permitida em todas as mídias.
3. Subliminarmente, é um anúncio degradante da condição
feminina, porque dá a entender que a atriz está se oferecendo para transar com
o consumidor em troca de cerveja.
Mas o que mais me intriga é o fato de uma mulher famosa e
influente ter aceitado participar de algo tão abusivo quando, há menos de dois
meses, celebridades se juntavam às pessoas nas ruas para pedir ética na política.
Eu pergunto à bela atriz Alinne Moraes, que protagoniza o anúncio: querida,
você acha mesmo ético ajudar a atrair jovens para a bebida? Você sabia que
causa enorme preocupação no Brasil, hoje, o fato de os adolescentes beberem
cada vez mais cedo? Não é antiético receber dinheiro para incentivar isso? Ou
só políticos precisam ter ética?
A cada hora vejo, na TV, jornais, revistas e na internet,
celebridades brasileiras, ao mesmo tempo que se engajam em campanhas contra os
políticos, sem vergonha alguma de aceitar dinheiro para propagandear produtos
questionáveis como instituições financeiras, construtoras, produtos de limpeza,
remédios ou empresas de telefonia. É o caso do “bom moço” Luciano Huck,
garoto-propaganda de uma infinidade de produtos e pai de três filhos, que não
acha antiético anunciar suplementos vitamínicos cuja necessidade a ciência
questiona, nem fazer propaganda de uma empresa de celular, a Tim, quando ao que
tudo indica é usuário de outra, a Vivo (leia aqui). É ético mentir para vender um
produto? Ou mentir só é condenável quando se trata de políticos?
O que dizer então da cantora Ivete Sangalo, que aceitou
cachê de 650 mil reais do governo do Ceará para se apresentar na inauguração de
um hospital que na verdade ainda se encontra em obras? Aliás, convenhamos que
fazer show em inauguração de hospital, em si, já é uma aberração. “Mas a culpa
é de quem a contratou.” Desculpa, não só. Se você é uma artista multimilionária
que gosta de apontar o dedo para os malfeitos dos políticos, poderia muito bem
passar uma peneira nos eventos para os quais é contratada. Ou será que, como os
políticos que critica, está interessada mesmo é na grana?
Quando se trata de ética, não dá para ter dois pesos e duas
medidas. A ética é uma só, na política e fora dela. Só vou deixar de fazer
muxoxo para o engajamento de artistas em protestos contra a classe política no
dia em que eu vir algum deles encampando, por exemplo, a defesa do projeto de
lei que circula na Câmara dos Deputados restringindo a propaganda de bebidas no
país. A mesma que rende ao mercado publicitário mais de um bilhão de reais por
ano, parte deles embolsado pelas celebridades que protagonizam as campanhas. Ou
quando vir famosos dizendo que se recusam a participar do anúncio de alguns
produtos.
Até lá, para mim, eles serão tão demagogos quanto os
políticos que acusam.
Em tempo: não adianta acionar o Conar contra a publicidade
imoral da Devassa. O órgão “auto-regulatório” já absolveu a campanha,
denunciada por consumidores pela “associação da cerveja à iniciação sexual”
e por estimular jovens a “assumir um
comportamento de risco”.
Publicado em 7 de agosto de 2013
Por Cynara Menezes
Nenhum comentário:
Postar um comentário